Por que as empresas deveriam investir no treinamento de seus colaboradores (e por que não deveriam)

1/6/20256 min read

De acordo com dados da ABTD - Associação Brasileira de Treinamento e Desenvolvimento, em sua 19ª Pesquisa Panorama do Treinamento no Brasil 2024/25, o investimento médio das empresas em T&D representou 1,84% da folha de pagamento anual (antes de benefícios e descontos), tendo sido 14% maior em relação a 2023.

Pelo levantamento, o investimento médio em T&D por colaborador no Brasil foi de R$ 1.222,00 por ano, enquanto que, comparativamente, nos EUA o investimento médio em T&D por colaborador foi de R$ 6.673,00 por ano.

Embora o investimento em T&D traga, de fato, benefícios e resultados para colaboradores e empresas, ele também é, por vezes, mal utilizado. Treinamentos não são a solução universal para todos os desafios corporativos e, quando aplicados de forma inadequada, podem gerar desperdício de recursos sem resolver a verdadeira causa raiz do problema.

Há alguns meses, uma indústria alimentícia identificou uma necessidade de treinamento e me contratou para realizar um workshop voltado a solucionar problemas de comunicação e a facilitar a resolução de conflitos internos entre as lideranças da área de produção.

A empresa enfrentava sérios problemas de rivalidade entre as equipes dos diferentes turnos de trabalho. Os operadores e seus respectivos líderes viam os outros turnos como adversários, o que resultava em uma transição conturbada nas trocas de turno. As informações cruciais não eram devidamente compartilhadas, e muitas vezes erros e retrabalhos ocorriam devido à falta de comunicação e cooperação entre os times.

Conversamos sobre as necessidades e expectativas da empresa e fizemos os alinhamentos necessários. A gerência da área estava muito preocupada com a situação e esperava que o treinamento fosse a solução ideal para cobrar dos líderes um novo comportamento.

Quando o treinamento é necessário?

Um treinamento específico ou um programa de T&D são necessários e poderosos quando existe uma lacuna clara de conhecimento, habilidades ou comportamentos que impactam o desempenho dos colaboradores ou os objetivos da empresa. Eis algumas situações que justificam o investimento em capacitação:

Mudanças no ambiente de trabalho: novas tecnologias, processos ou regulações podem exigir que os colaboradores desenvolvam novas habilidades ou conhecimentos;

Desenvolvimento de lideranças: preparar talentos internos para assumirem posições de liderança é essencial para garantir a sustentabilidade da empresa;

Alinhamento cultural: quando uma organização busca reforçar seus valores e princípios, treinamentos comportamentais podem ajudar a disseminar a cultura desejada;

Habilidades específicas: é comum que colaboradores necessitem de formação em áreas específicas relacionadas às suas funções como comunicação, vendas e negociação ou gestão de tempo e produtividade; e

Prioridades estratégicas: implantação de novas estratégias (expansão, novos mercados, novos produtos) demandam treinamento dos colaboradores em relação aos conhecimentos e habilidades necessários para que a estratégia seja bem sucedida.

No caso da indústria alimentícia, realizei o workshop como planejado. Houveram momentos de discussões importantes sobre a realidade e também, situações agudas em que os ânimos de alguns participantes ficaram mais exaltados. O programa trouxe conteúdos, experiências, materiais e práticas que foram elogiados e bem recebidos pelos líderes. Entretanto, o que percebi e ouvi dos participantes ao final do treinamento sinalizava que, ao longo das semanas seguintes, os problemas persistiriam.

Quando o treinamento não é a solução?

Muitas empresas investem em T&D sem uma análise aprofundada das causas raízes do problema que desejam solucionar. Isso resulta em programas ineficazes, frustrantes para colaboradores e custosos para a empresa. Em minha experiência, treinamentos podem não ser a melhor resposta para situações como:

Problemas relacionados ao ambiente de trabalho: se os processos são ineficientes ou se o clima organizacional é tóxico, um treinamento dificilmente corrigirá essas questões;

Falta de clareza nas expectativas: quando os colaboradores não sabem o que se espera deles, a solução está em melhorar a comunicação e os processos internos, não em treiná-los;

Liderança disfuncional: problemas que derivam de lideranças despreparadas ou autoritárias requerem intervenções específicas para o desenvolvimento da gestão, não treinamentos genéricos para a equipe;

Foco em soluções rápidas: treinamentos são frequentemente usados como paliativos para problemas estruturais que exigem mudanças mais profundas.

Ao reavaliar a situação da indústria alimentícia e conversar com a gerência da área, fiz vários questionamentos sobre como o ambiente de trabalho contribuía diretamente para alimentar as rivalidades. Com um visível desconforto, a gerência relatou que os líderes dos turnos tinham pouco espaço para interagir entre si e alinhar ações conjuntas, criando ainda mais barreiras à colaboração e reforçando a cultura de competição.

Em dado momento, recebi uma resposta que trouxe a clareza que eu esperava “Somos uma multinacional e nossa matriz exerce alta pressão por metas individuais entre turnos, incluindo indicadores a prêmios e bonificações”, levando a gerência a perceber que endereçar o problema a uma necessidade de treinamento poderia não trazer os resultados desejados.

Por que alguns treinamentos não geram os resultados esperados?

Existem programas de T&D que, de fato, não alcançam os resultados esperados. É possível relacionar uma série de fatores para explicar.

Um dos principais problemas está na ausência de alinhamento entre o conteúdo do treinamento e a realidade prática do trabalho e do contexto organizacional. Quando o aprendizado oferecido não reflete as demandas reais enfrentadas pelos colaboradores, a aplicação do que foi aprendido torna-se limitada ou inexistente.

Além disso, expectativas irreais também figuram entre as causas de insucesso. Treinamentos não são uma solução mágica para resolver problemas estruturais ou culturais profundamente enraizados na organização. Questões relacionadas à cultura corporativa ou a processos organizacionais exigem intervenções mais amplas e integradas, que vão além do que um programa de T&D pode proporcionar.

Outro desafio significativo é a falta de suporte pós-treinamento. O aprendizado é um processo e por isso mesmo requer continuidade. A transferência das novas habilidades e conhecimentos para o ambiente de trabalho depende de um acompanhamento consistente. Isso inclui a atuação dos gestores, que devem oferecer mentoria, reforço e monitoramento, garantindo que os colaboradores se sintam apoiados e incentivados a aplicar o que aprenderam.

Em muitos casos, a resistência da cultura organizacional limita o impacto do treinamento. Mesmo que os colaboradores desenvolvam novos comportamentos, a falta de valorização ou suporte para essas mudanças no ambiente de trabalho impede que o aprendizado se consolide e produza os resultados desejados.

No caso apresentado, fica evidente que sem considerar intervenções complementares no ambiente e na cultura da empresa, o treinamento por si só não será capaz de solucionar o problema vivenciado pela indústria alimentícia. Em algum momento, a pressão sobre a gerência a fez acreditar que um treinamento poderia criar um “fato novo” e seria uma forma de mudar comportamentos.

O ambiente organizacional exerce força sobre os comportamentos?

O verdadeiro objetivo de um treinamento deve ser promover mudanças significativas no comportamento dos colaboradores. Contudo, mesmo os treinamentos mais bem planejados e executados podem fracassar caso o ambiente organizacional não esteja preparado para apoiar e sustentar os novos comportamentos aprendidos. Para evitar esse tipo de problema, as organizações precisam adotar medidas que garantam a integração do aprendizado ao dia a dia corporativo.

Uma das principais ações é assegurar a coerência entre discurso e prática (walk the talk). Se a empresa valoriza a cooperação entre equipes, por exemplo, deve implementar sistemas e processos que incentivem o compartilhamento de informações e o trabalho conjunto, especialmente em momentos de transição, como a passagem de turnos. Esse alinhamento é fundamental para eliminar rivalidades internas e garantir que o aprendizado seja refletido em práticas cotidianas que promovam a integração entre os colaboradores. Além disso, é fundamental fornecer suporte contínuo aos colaboradores: programas de mentoria, coaching e feedback têm papel essencial nesse contexto, pois ajudam a consolidar o aprendizado, oferecendo orientação e reforço para que os novos comportamentos sejam mantidos.

Por fim, é necessário adaptar os processos e sistemas organizacionais, garantindo que a estrutura da empresa facilite e estimule os comportamentos desejados. Sem essa adequação, as iniciativas de treinamento podem perder força diante de barreiras internas que dificultam a aplicação prática do que foi aprendido. O sucesso de um treinamento não depende apenas do conteúdo ou da metodologia, mas também da capacidade da organização de criar um ambiente que valorize e sustente as mudanças promovidas.

Se o seu papel é decidir, influenciar ou solicitar ações de T&D, me permita um último direcionamento: considere garantir que o investimento está endereçando necessidades de treinamento direcionadas a uma força de trabalho mais competitiva e engajada, ao desenvolvimento de lideranças e equipes de alto desempenho e a capacitar os colaboradores para concretizar a estratégia e os resultados projetados.

Além disso, assegure-se de que sua empresa pode sustentar as novas habilidades e conhecimentos adquiridos, ajustando fatores organizacionais que possam ameaçar o sucesso dessas iniciativas. Caso não haja confiança nessas condições, é mais prudente realinhar as ações de T&D, assegurando que os esforços respeitem o contexto e as prioridades estratégicas da empresa.


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Marcos Custódio (@marcoscustodio.oficial)

Mentor executivo, Consultor de empresas e Palestrante com atuação nas áreas de Gestão, Liderança e Equipes de alta performance.

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